Jean Piaget, o biólogo que colocou a aprendizagem no microscópio
O cientista suíço revolucionou o modo de encarar a educação de crianças ao mostrar que elas não pensam como os adultos e constroem o próprio aprendizado
Jean
Piaget (1896-1980) foi o nome mais influente no campo da educação
durante a segunda metade do século 20, a ponto de quase se tornar
sinônimo de pedagogia. Não existe, entretanto, um método Piaget, como
ele próprio gostava de frisar. Ele nunca atuou como pedagogo. Antes de
mais nada, Piaget foi biólogo e dedicou a vida a submeter à observação
científica rigorosa o processo de aquisição de conhecimento pelo ser
humano, particularmente a criança.
Do
estudo das concepções infantis de tempo, espaço, causalidade física,
movimento e velocidade, Piaget criou um campo de investigação que
denominou epistemologia genética - isto é, uma teoria do conhecimento
centrada no desenvolvimento natural da criança. Segundo ele, o
pensamento infantil passa por quatro estágios, desde o nascimento até o
início da adolescência, quando a capacidade plena de raciocínio é
atingida.
"A
grande contribuição de Piaget foi estudar o raciocínio
lógico-matemático, que é fundamental na escola mas não pode ser
ensinado, dependendo de uma estrutura de conhecimento da criança", diz
Lino de Macedo, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo.
As
descobertas de Piaget tiveram grande impacto na pedagogia, mas, de
certa forma, demonstraram que a transmissão de conhecimentos é uma
possibilidade limitada. Por um lado, não se pode fazer uma criança
aprender o que ela ainda não tem condições de absorver. Por outro, mesmo
tendo essas condições, não vai se interessar a não ser por conteúdos
que lhe façam falta em termos cognitivos.
Isso
porque, para o cientista suíço, o conhecimento se dá por descobertas
que a própria criança faz - um mecanismo que outros pensadores antes
dele já haviam intuído, mas que ele submeteu à comprovação na prática.
Vem de Piaget a idéia de que o aprendizado é construído pelo aluno e é
sua teoria que inaugura a corrente construtivista.
Educar,
para Piaget, é "provocar a atividade" - isto é, estimular a procura do
conhecimento. "O professor não deve pensar no que a criança é, mas no
que ela pode se tornar", diz Lino de Macedo.
Assimilação e acomodação
Com
Piaget, ficou claro que as crianças não raciocinam como os adultos e
apenas gradualmente se inserem nas regras, valores e símbolos da
maturidade psicológica. Essa inserção se dá mediante dois mecanismos:
assimilação e acomodação.
O
primeiro consiste em incorporar objetos do mundo exterior a esquemas
mentais preexistentes. Por exemplo: a criança que tem a ideia mental de
uma ave como animal voador, com penas e asas, ao observar um avestruz
vai tentar assimilá-lo a um esquema que não corresponde totalmente ao
conhecido. Já a acomodação se refere a modificações dos sistemas de
assimilação por influência do mundo externo. Assim, depois de aprender
que um avestruz não voa, a criança vai adaptar seu conceito "geral" de
ave para incluir as que não voam.
Estágios de desenvolvimento
Um
conceito essencial da epistemologia genética é o egocentrismo, que
explica o caráter mágico e pré-lógico do raciocínio infantil. A
maturação do pensamento rumo ao domínio da lógica consiste num abandono
gradual do egocentrismo. Com isso se adquire a noção de responsabilidade
individual, indispensável para a autonomia moral da criança.
Segundo
Piaget, há quatro estágios básicos do desenvolvimento cognitivo. O
primeiro é o estágio sensório-motor, que vai até os 2 anos. Nessa fase,
as crianças adquirem a capacidade de administrar seus reflexos básicos
para que gerem ações prazerosas ou vantajosas. É um período anterior à
linguagem, no qual o bebê desenvolve a percepção de si mesmo e dos
objetos a sua volta.
O
estágio pré-operacional vai dos 2 aos 7 anos e se caracteriza pelo
surgimento da capacidade de dominar a linguagem e a representação do
mundo por meio de símbolos. A criança continua egocêntrica e ainda não é
capaz, moralmente, de se colocar no lugar de outra pessoa.
O
estágio das operações concretas, dos 7 aos 11 ou 12 anos, tem como
marca a aquisição da noção de reversibilidade das ações. Surge a lógica
nos processos mentais e a habilidade de discriminar os objetos por similaridades e diferenças. A criança já pode dominar conceitos de tempo e número.
Por
volta dos 12 anos começa o estágio das operações formais. Essa fase
marca a entrada na idade adulta, em termos cognitivos. O adolescente
passa a ter o domínio do pensamento lógico e dedutivo, o que o habilita à
experimentação mental. Isso implica, entre outras coisas, relacionar
conceitos abstratos e raciocinar sobre hipóteses.
Ajudando o desenvolvimento do aluno
A
obra de Piaget leva à conclusão de que o trabalho de educar crianças
não se refere tanto à transmissão de conteúdos quanto a favorecer a
atividade mental do aluno. Conhecer sua obra, portanto, pode ajudar o
professor a tornar seu trabalho mais eficiente. Algumas escolas planejam
as suas atividades de acordo com os estágios do desenvolvimento
cognitivo. Nas classes de Educação Infantil com crianças entre 2 e 3
anos, por exemplo, não é difícil perceber que elas estão em plena
descoberta da representação. Começam a brincar de ser outra pessoa, com
imitação das atividades vistas em casa e dos personagens das histórias. A
escola fará bem em dar vazão a isso promovendo uma ampliação do
repertório de referências. Mas é importante lembrar que os modelos
teóricos são sempre parciais e que, no caso de Piaget em particular, não
existem receitas para a sala de aula.
Biografia
Jean
Piaget nasceu em Neuchâtel, Suíça, em 1896. Aos 10 anos publicou seu
primeiro artigo científico, sobre um pardal albino. Desde cedo
interessado em filosofia, religião e ciência, formou-se em biologia na
universidade de Neuchâtel e, aos 23 anos, mudou-se para Zurique, onde
começou a trabalhar com o estudo do raciocínio da criança sob a ótica da
psicologia experimental. Em 1924, publicou o primeiro de mais de 50
livros, A Linguagem e o Pensamento na Criança. Antes do fim da década de
1930, já havia ocupado cargos importantes nas principais universidades
suíças, além da diretoria do Instituto Jean-Jacques Rousseau, ao lado de
seu mestre, Édouard Claparède (1873-1940). Foi também nesse período que
acompanhou a infância dos três filhos, uma das grandes fontes do
trabalho de observação do que chamou de "ajustamento progressivo do
saber". Até o fim da vida, recebeu títulos honorários de algumas das
principais universidades européias e norteamericanas. Morreu em 1980 em
Genebra, Suíça.
Jean Piaget, o biólogo que colocou a aprendizagem no microscópio
O cientista suíço revolucionou o modo de encarar a educação de crianças ao mostrar que elas não pensam como os adultos e constroem o próprio aprendizado
Jean
Piaget (1896-1980) foi o nome mais influente no campo da educação
durante a segunda metade do século 20, a ponto de quase se tornar
sinônimo de pedagogia. Não existe, entretanto, um método Piaget, como
ele próprio gostava de frisar. Ele nunca atuou como pedagogo. Antes de
mais nada, Piaget foi biólogo e dedicou a vida a submeter à observação
científica rigorosa o processo de aquisição de conhecimento pelo ser
humano, particularmente a criança.
Do
estudo das concepções infantis de tempo, espaço, causalidade física,
movimento e velocidade, Piaget criou um campo de investigação que
denominou epistemologia genética - isto é, uma teoria do conhecimento
centrada no desenvolvimento natural da criança. Segundo ele, o
pensamento infantil passa por quatro estágios, desde o nascimento até o
início da adolescência, quando a capacidade plena de raciocínio é
atingida.
"A
grande contribuição de Piaget foi estudar o raciocínio
lógico-matemático, que é fundamental na escola mas não pode ser
ensinado, dependendo de uma estrutura de conhecimento da criança", diz
Lino de Macedo, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo.
As
descobertas de Piaget tiveram grande impacto na pedagogia, mas, de
certa forma, demonstraram que a transmissão de conhecimentos é uma
possibilidade limitada. Por um lado, não se pode fazer uma criança
aprender o que ela ainda não tem condições de absorver. Por outro, mesmo
tendo essas condições, não vai se interessar a não ser por conteúdos
que lhe façam falta em termos cognitivos.
Isso
porque, para o cientista suíço, o conhecimento se dá por descobertas
que a própria criança faz - um mecanismo que outros pensadores antes
dele já haviam intuído, mas que ele submeteu à comprovação na prática.
Vem de Piaget a idéia de que o aprendizado é construído pelo aluno e é
sua teoria que inaugura a corrente construtivista.
Educar,
para Piaget, é "provocar a atividade" - isto é, estimular a procura do
conhecimento. "O professor não deve pensar no que a criança é, mas no
que ela pode se tornar", diz Lino de Macedo.
Assimilação e acomodação
Com
Piaget, ficou claro que as crianças não raciocinam como os adultos e
apenas gradualmente se inserem nas regras, valores e símbolos da
maturidade psicológica. Essa inserção se dá mediante dois mecanismos:
assimilação e acomodação.
O
primeiro consiste em incorporar objetos do mundo exterior a esquemas
mentais preexistentes. Por exemplo: a criança que tem a ideia mental de
uma ave como animal voador, com penas e asas, ao observar um avestruz
vai tentar assimilá-lo a um esquema que não corresponde totalmente ao
conhecido. Já a acomodação se refere a modificações dos sistemas de
assimilação por influência do mundo externo. Assim, depois de aprender
que um avestruz não voa, a criança vai adaptar seu conceito "geral" de
ave para incluir as que não voam.
Estágios de desenvolvimento
Um
conceito essencial da epistemologia genética é o egocentrismo, que
explica o caráter mágico e pré-lógico do raciocínio infantil. A
maturação do pensamento rumo ao domínio da lógica consiste num abandono
gradual do egocentrismo. Com isso se adquire a noção de responsabilidade
individual, indispensável para a autonomia moral da criança.
Segundo
Piaget, há quatro estágios básicos do desenvolvimento cognitivo. O
primeiro é o estágio sensório-motor, que vai até os 2 anos. Nessa fase,
as crianças adquirem a capacidade de administrar seus reflexos básicos
para que gerem ações prazerosas ou vantajosas. É um período anterior à
linguagem, no qual o bebê desenvolve a percepção de si mesmo e dos
objetos a sua volta.
O
estágio pré-operacional vai dos 2 aos 7 anos e se caracteriza pelo
surgimento da capacidade de dominar a linguagem e a representação do
mundo por meio de símbolos. A criança continua egocêntrica e ainda não é
capaz, moralmente, de se colocar no lugar de outra pessoa.
O
estágio das operações concretas, dos 7 aos 11 ou 12 anos, tem como
marca a aquisição da noção de reversibilidade das ações. Surge a lógica
nos processos mentais e a habilidade de discriminar os objetos por similaridades e diferenças. A criança já pode dominar conceitos de tempo e número.
Por
volta dos 12 anos começa o estágio das operações formais. Essa fase
marca a entrada na idade adulta, em termos cognitivos. O adolescente
passa a ter o domínio do pensamento lógico e dedutivo, o que o habilita à
experimentação mental. Isso implica, entre outras coisas, relacionar
conceitos abstratos e raciocinar sobre hipóteses.
Ajudando o desenvolvimento do aluno
A
obra de Piaget leva à conclusão de que o trabalho de educar crianças
não se refere tanto à transmissão de conteúdos quanto a favorecer a
atividade mental do aluno. Conhecer sua obra, portanto, pode ajudar o
professor a tornar seu trabalho mais eficiente. Algumas escolas planejam
as suas atividades de acordo com os estágios do desenvolvimento
cognitivo. Nas classes de Educação Infantil com crianças entre 2 e 3
anos, por exemplo, não é difícil perceber que elas estão em plena
descoberta da representação. Começam a brincar de ser outra pessoa, com
imitação das atividades vistas em casa e dos personagens das histórias. A
escola fará bem em dar vazão a isso promovendo uma ampliação do
repertório de referências. Mas é importante lembrar que os modelos
teóricos são sempre parciais e que, no caso de Piaget em particular, não
existem receitas para a sala de aula.
Biografia
Jean
Piaget nasceu em Neuchâtel, Suíça, em 1896. Aos 10 anos publicou seu
primeiro artigo científico, sobre um pardal albino. Desde cedo
interessado em filosofia, religião e ciência, formou-se em biologia na
universidade de Neuchâtel e, aos 23 anos, mudou-se para Zurique, onde
começou a trabalhar com o estudo do raciocínio da criança sob a ótica da
psicologia experimental. Em 1924, publicou o primeiro de mais de 50
livros, A Linguagem e o Pensamento na Criança. Antes do fim da década de
1930, já havia ocupado cargos importantes nas principais universidades
suíças, além da diretoria do Instituto Jean-Jacques Rousseau, ao lado de
seu mestre, Édouard Claparède (1873-1940). Foi também nesse período que
acompanhou a infância dos três filhos, uma das grandes fontes do
trabalho de observação do que chamou de "ajustamento progressivo do
saber". Até o fim da vida, recebeu títulos honorários de algumas das
principais universidades européias e norteamericanas. Morreu em 1980 em
Genebra, Suíça.
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